Um resgate sobre a herança africana e as plantas medicinais
A força das ervas e a herança africana
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, oferece um momento especial para refletir sobre a rica herança cultural africana que moldou o Brasil. Uma das contribuições mais significativas desse legado é o uso das plantas medicinais, um conhecimento ancestral preservado por comunidades negras e quilombolas que enxergam nas ervas um elo entre o bem-estar físico, espiritual e cultural.
Ao longo dos séculos, povos africanos escravizados para o Brasil incorporaram seus saberes sobre as plantas ao contexto local, adaptando-se à flora brasileira e trocando experiências com povos indígenas. Esse intercâmbio gerou práticas de cura que perduram até hoje, especialmente em comunidades quilombolas, onde a medicina tradicional desempenha um papel central na promoção da saúde.
As plantas medicinais e seus significados
Em muitos quilombos, a relação com a natureza é profunda e respeitosa. Plantas como arruda (Ruta graveolens L.), boldo (Plectranthus barbatus Andr.), barbatimão (Stryphnodendron adstringens (Mart.)), erva-cidreira (Melissa officinalis L.), alecrim (Rosmarinus officinalis L.) e incenso (Tetradenia riparia (Hochst.) Codd) são exemplos de espécies amplamente utilizadas em chás, banhos e compressas, servindo tanto para tratar doenças físicas quanto para proteção espiritual. Esses usos são transmitidos oralmente, geralmente por mulheres - guardiãs do saber medicinal.
Estudos recentes de levantamento histórico e troca de saberes realizados nessas comunidades em todo o Brasil revelam que o barbatimão, com suas propriedades anti-flamatórias, é usado para tratar feridas e infecções. O boldo, conhecido por aliviar problemas digestivos. A erva-cidreira apreciada por suas propriedades calmantes. A arruda utilizada em problemas digestivos e menstruais. O "incenso da horta" com seu aroma agradável e rico em óleos essenciais é usado em infusões para aliviar sintomas respiratórios e como repelente natural. Além do alecrim, indicado para melhorar a memória, combater a fadiga e aliviar sintomas de ansiedade.
Todas essas plantas também são empregadas em práticas de cura espiritual, para proteção, revitalização e renovação das energias. Essas práticas refletem não só o conhecimento sobre a eficácia terapêutica das plantas, mas também crenças profundas que veem o corpo como parte de um todo integrado.
Resistência e preservação da cultura
Além de serem recursos de cura, as plantas medicinais simbolizam resistência cultural. Em tempos de escravidão, as ervas serviam como única alternativa de tratamento, e o conhecimento sobre elas tornou-se uma ferramenta de sobrevivência. Após a abolição, em espaços como os quilombos, a continuidade desse saber ajudou a reforçar identidades e a autonomia das comunidades.
Hoje, iniciativas acadêmicas e projetos de extensão colaboram para preservar e documentar esses saberes. Por exemplo, pesquisas como as realizadas pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pela UNILAB destacam a importância de integrar a medicina tradicional aos sistemas de saúde, valorizando o saber popular e ampliando o acesso a tratamentos naturais.
Iniciativas locais que são realizadas em conjunto com a comunidade preta são importantes registros do uso de plantas medicinais no contexto brasileiro. Um exemplo é o livro "Pequeno Inventário de Curas de Quintal", de Flávia Nogueira Pereira, Gabriela Acerbi Pereira e José Soares Nogueira. A obra aborda a relevância dos quintais como espaços de cultivo, cuidado e preservação da sabedoria ancestral.
O livro explora as histórias relatadas pelo "Seu Zé", um guardião das memórias de cura no sul de Minas Gerais, que ilustra como as plantas, além de remédios, são símbolos de identidade e resistência. Em seus relatos, destacam-se o uso da arruda e do incenso em práticas de cura. A obra conecta a cultura popular às práticas de saúde, mostrando como os quintais brasileiros são verdadeiros inventários vivos de cura e história.
* Este livro pode ser baixado gratuitamente na biblioteca do site da FJBPC (Biblioteca - FJBPC | Prefeitura Municipal de Poços de Caldas) e no site do Projeto Curas (Livros - Curas).
O Jardim Botânico e a celebração do saber popular
A FJBPC, ao promover a valorização de tradições como essas, tem a oportunidade de atuar como um espaço de educação e resgate histórico. Mapear e divulgar informações sobre as plantas medicinais utilizadas por comunidades pretas pode fortalecer o diálogo entre a ciência e o saber popular, contribuindo para a preservação desse patrimônio.
Neste Dia da Consciência Negra, convidamos você a refletir sobre as raízes que nos conectam ao passado e as possibilidades de integrar esses conhecimentos ao presente. Que o legado das plantas medicinais continue inspirando práticas de saúde, sustentabilidade e respeito pela diversidade.
Referências
SOUZA, Joilma. A influência africana nas práticas medicinais brasileiras. Repositório UNILAB, 2023. Disponível em: https://repositorio.unilab.edu.br/jspui/bitstream/123456789/5320/1/2023_proj_joilmasouza.pdf. Acesso em: 18 nov. 2024.
SILVA, R. et al. Plantas medicinais no contexto quilombola brasileiro. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, [s. l.], v. 18, n. 2, p. 354–368, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbpm/a/kSZ67JWPzpnLpkRt6VxhSbN/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 18 nov. 2024.
SALAZAR, Izabela Taiana. Saúde e resistência nos quilombos: etnobotânica em comunidades tradicionais. Repositório UFJF, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/776/1/izabelataianasalazarrogerio.pdf. Acesso em: 18 nov. 2024.
PEREIRA, Flávia Nogueira; PEREIRA, Gabriela Acerbi; NOGUEIRA, José Soares. Pequeno Inventário de Curas de Quintal. 1. ed. Poços de Caldas: Secretaria Municipal de Cultura (Secult), 2021.
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